quinta-feira, 12 de junho de 2008

O Baque!


Ficou ali balançando as pernas como se fosse a coisa mais natural do mundo e até seria, se ele não estivesse sentado no beiral de um prédio com treze andares. No princípio sentiu vertigens e aquele frio no estômago, depois, como tudo na vida, foi se acostumando e se perdeu em pensamentos que iam e vinham.
Tentou fazer uma agenda mental daqueles trinta e quatro anos: Era filho de uma mãe desestruturada emocionalmente pela vida e por ela mesma; o pai por sua vez era um Dom Juan de boteco que, depois de algumas doses, não conseguia manter o mínimo de dignidade pra ele e quem diria pra família.
Ele sempre foi um mundo à parte. Quando nasceu já destoou, cabelos muito negros e a pele muito branca, olhos cor de mel, segundo a avó parecia filho de rico que já nasce assim: bonito. Apesar de viver em meio à pobreza e aí não me refiro só a material, ele tinha um gosto apurado para artes, leitura e música. Aprendeu sozinho aos cinco anos como juntar as letras e formar as palavras. Vivia calado lendo o que lhe caía nas mãos, até embrulho de jornal velho.
Cresceu se sentindo um ser de outro mundo e aos quatorze anos já trabalhava fora para garantir pelo menos a condução para a escola. Fazia questão de estudar para tentar uma sorte melhor e um final mais feliz que de seus progenitores. Ele sabia que sua vida não dependia de sorte, mas sim de esforço próprio.
Voltou os olhos para a multidão lá em baixo e deu um sorriso triste. Lembrou-se do quanto somos cheios de energia e sonhos quando jovens. Achamos que podemos consertar o mundo, inclusive o nosso. Todas aquelas pessoas num movimento frenético e pra quê? Hoje ele se perguntava isso, sentado ali naquele beiral.
Ele havia corrido, estudado, sonhado e até progredido daquela família lhe imposta pelo destino. Havia se formado aos 28 anos com muito custo e uma meia bolsa em Administração de Empresas e conseguiu um emprego num banco, achava que agora a vida estava começando a ser justa com ele. Sabia que as coisas viriam devagar, porém sua vida já estava sendo escrita de uma forma diferente.
Dizem que o amor modifica a vida das pessoas e ele concordava com isso. Aos trinta e um anos conheceu a mulher que mudaria todo o seu rumo, toda a sua estrutura e caráter. Ela era uma morena linda e muito sensual, já trabalhava no banco há dois anos e ele descobriu que o antigo namorado havia sofrido um surto psicótico quando ela não aceitou a proposta de casamento dele. Estava incomunicável em uma clínica de repouso com seqüelas graves.
Num primeiro momento pensou que aquela mulher não era para o bico dele e se limitava a respirar mais forte quando ela passava para sentir seu melhor o seu perfume. E de fato ela nunca prestou atenção nele até o dia em que ele ganhou uma promoção e passou a ser o gerente do setor financeiro.
Algo mudou e ela passou a sorrir quando passava pela sua mesa, a dar bom dia, chamar para um cafezinho no meio do dia. Os amigos mais próximos tentavam chamá-lo a razão mostrando o quanto ela era interesseira. Mas ele sempre respondia que não a culpava por querer algo melhor, ele mesmo agiu assim quanto à sua vida. Começaram a sair e ele passou a respirar o mundo dela. Ela tinha gostos apurados e conseguia o que queria com seus bicos e manhas. Ele queria colocar o mundo nos seus pés e não queria perdê-la por nada. De um homem centrado e focado no seu futuro ele passou a ser descontrolado emocional e financeiramente.
O simples fato de pensar que ela poderia sair da sua vida lhe tirava o sono. Ele a enchia de mimos e cuidados o tempo inteiro e quando percebeu que não poderia levar isso durante muito tempo, já estava no terceiro empréstimo. O seu lado sensato indicava que aquele teria que ser o fim daquele relacionamento, mas seu coração se recusava a sequer cogitar isso.
Estava ficando complicado trabalhar e cumprir as metas. Ele estava pensando em como conseguir dinheiro para pagar suas dívidas e conseguir respirar em paz novamente quando ela entrou na sua sala. Fez aquele beicinho de quem vai pedir algo e disse que no fim de semana gostaria que fossem à praia com uns amigos dela. Se ele não pudesse, ela iria sozinha.
Ele não imaginava um fim de semana sem ela, ainda mais na praia rodeada por outros homens. Disse que só iria terminar uns lançamentos e que mais tarde conversariam. Ela sorriu com aquele jeito maroto e saiu. Ele tinha que arrumar dinheiro de qualquer forma.
Tentou concentrar a cabeça no trabalho e esquecer aquilo tudo por uns instantes, até que percebeu um erro na conta do seu cliente, o sistema havia tirado alguns centavos há mais do seu saldo total. Com certeza o cliente nem perceberia, mas se continuasse assim ao fim do dia estaria passando uma quantia alta em seu caixa. Pegou o telefone para ligar para o help-desk do banco para corrigirem o erro e enquanto chamava ficou olhando para a tela. De repente sua cabeça deu um estalo e desligou o fone antes de atenderem. E se ele desviasse aquele montante para uma conta fantasma? Seria a solução dos seus problemas para a falta de dinheiro. Recuou diante do pensamento achando que estava ficando louco, mas a tentação foi maior.
Do pensamento à ação foi um pulo, tudo ocorreu rápido demais. O golpe, os gastos excessivos, a euforia e o pesar. Rápida também foi a descoberta do banco que rastreou tudo facilmente já que ele não era nenhum profissional na arte de roubar. Ele percebeu o movimento e sabia que iriam prendê-lo naquele dia mesmo. E o mais interessante é que o burburinho já devia estar correndo entre os funcionários do banco porque a mulher por quem ele havia feito aquilo tudo nem olhava mais para ele já há alguns dias.
Agora ele estava ali contemplando a morte. Deu mais uma tragada no cigarro que acabara de acender e vislumbrou as luzes da cidade. Não havia mais nada a fazer e nem o que pensar, ele não conseguiria passar sua vida numa cadeia por um erro estúpido.
Arqueou o corpo e novamente sentiu aquela vertigem, fechou os olhos e se jogou no espaço vazio que se tornara sua vida. Nem gritou. Dele só restou o baque do corpo no chão e a certeza que sua vida não era nenhuma novela e que nem sempre os finais são felizes.
Luciana Barbosa.

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