segunda-feira, 23 de março de 2009
O filme da vida de cada um.
Sentou na calçada e recostou-se no poste, respirou bem fundo sentindo o cheiro de chuva que estava por vir. Amava cheiros, o de chuva, temperos e frutas eram seus preferidos e sempre que os sentia era como se uma felicidade repentina tomasse conta da alma e do corpo. Isso era uma característica impressionante da sua personalidade, coisas simples o tocavam muito mais.
Havia dias que ele se sentia num cinema e tudo que o acontecia parecia surreal. Era como se fosse o espectador de um filme que estivesse acontecendo em terceira dimensão e ele só assistindo tudo, sem ter como modificar ou acrescentar nada.
Ficou parado ouvindo sua respiração e observando o movimento. Uma criança limpando o nariz, a mãe dependurada num telefone público esbravejando com o possível pai sobre um dinheiro que nunca vinha, do outro lado da rua no fio de alta tensão um pombo se equilibrava com uma pequena palha no bico resolvendo onde seria construído seu novo ninho.
Fechou os olhos um instante e ficou sentindo o vento no rosto, respirou fundo novamente e pensou na loucura que era viver. Só de pensar no funcionamento do corpo achava tudo um imenso milagre, quantos músculos, nervos, órgãos, tudo interligado de uma maneira frágil e ao mesmo tempo tão forte. Sempre achou que cada minuto deveria ser tão melhor aproveitado.
Abriu os olhos bem devagar e olhou ao seu redor, o filme já havia mudado o roteiro. A mãe já arrastava o filho ladeira abaixo, o pombo já havia voado rumo ao seu destino. Tudo em questão de minutos. A vida era assim, tudo tão rápido.
Levantou-se bem devagar, balançou o pó da calça e deu uma espreguiçada daquela que estalam os ossos, esboçou um sorriso tranquilo de quem chegou no ponto certo da serenidade.
Tudo o que queria e precisava era de paz para aproveitar os dias que tinha pela frente, sabia que nem todos seriam assim, mas tinha um bom discernimento e força de vontade para entender o filme da vida de cada um.
Estava bem menos materialista, mais humanitário e desapegado da vaidade desmedida, concluiu que estava era muito bem.
Levantou o braço e pegou uma folha de uma árvore de canela que saltava pelo muro, amassou bem devagar e aspirou o aroma, aquilo lembrou sua infância com os chás de sua mãe e o pão com manteiga no fim de tarde.
Resolveu que por hoje seu filme terminaria assim, de frente a uma imensa xícara de chá de canela e um pão fumegante com manteiga derretida, não precisava de mais nada pra ser feliz. Pelo menos por hoje.
Luciana Barbosa.
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